quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Ministério Público de olhos postos no novo Pediátrico


O Ministério Público abriu uma averiguação cautelar acerca das obras das futuras instalações do Hospital Pediátrico de Coimbra, soube o “Campeão”.

A averiguação cautelar ou preventiva pode ditar a abertura de um inquérito ou nem sequer corresponder a uma fase embrionária de investigação, funcionando como meio de recolha de informação destinada a aferir se há indícios da prática de crime.

A Polícia Judiciária, a coadjuvar o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Coimbra, já pediu esclarecimentos e documentação à Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro, sucessora da Direcção-Geral de Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), em 2005, como dona da obra.

A 28 de Agosto de 2008, o “Campeão” dedicou um dossiê ao assunto, onde assinalava que a construção poderá custar mais 20 milhões de euros (derrapagem de 53 por cento sobre o montante da adjudicação).

Antes, a 24 de Abril, o nosso Jornal aludiu a um documento da empresa Planege, cujo teor apontava para um desvio de 25,3 por cento. A ARS admitiu, na altura, que a derrapagem do valor dos encargos em relação ao montante da adjudicação era de “cerca de 18 por cento”.

Chamada a assessorar a DGIES na fase que precedeu a abertura do processo concursal, a Planege interveio, posteriormente, na revisão de fundações e estruturas e, mais tarde, foi incumbida de fiscalizar a empreitada.

O concurso foi lançado em 27 de Abril de 2004 e a adjudicação ocorreu em 18 de Janeiro de 2005 (a um mês das eleições legislativas).

Em relatório enviado, este ano, à Planege, o empreiteiro alertou para a “ocorrência futura de possíveis patologias (maleitas) na obra”, fazendo notar que elas poderão apresentar “uma tendência de agravamento com o normal desenrolar dos trabalhos”.

“É de uma patente anormalidade que um concurso desta dimensão e relevância tenha sido lançado com base num projecto de execução tão insuficiente e deficiente”, alega o Agrupamento Construtor do Hospital Pediátrico (formado pelas empresas Somague e Bascol).

Argamassa de que nem o fornecedor dá garantias face à utilização, betonagem feita num dia e descofragem lateral executada no dia seguinte, tijolos de qualidade inferior e aplicados por molhar, uso de pré-aros de portas em madeira alegadamente atingida pelo fogo e supressão de trabalhos com pagamento ao empreiteiro de metade do valor dos mesmos, eis, em síntese, a narração de um documento a que o “Campeão” teve acesso.

Um professor auxiliar da Universidade de Coimbra, Luís da Costa Neves, co-autor do projecto de fundações e estruturas do Pediátrico, sugeriu à ARS a realização de uma auditoria, sustentando que ela deverá contemplar a análise do modo de execução dos trabalhos, dos materiais empregues e dos eventuais desvios em relação ao projecto que serviu de base ao concurso.

A sugestão foi ditada pela gravidade que Costa Neves imputa a declarações inseridas num relatório enviado pelo empreiteiro à Planege.

Num documento a que o nosso Jornal acedeu, o docente universitário alega que não há projecto capaz de resistir à falta de qualidade na execução e adverte para o provável aparecimento de patologias.

Água?

A alegada existência de água no subsolo do local da obra veio a revelar-se um insondável «mistério», mas, ainda assim, pôs a empreitada a marcar passo no segundo semestre de 2005 e impediu o cumprimento do cronograma a prever a conclusão dos trabalhos em Setembro de 2007.

Em Abril de 2005, o empreiteiro indicou ter detectado “dois poços de significativa dimensão” e, volvido um mês, a fiscalização aludiu à “existência de um veio de água significativo não denunciado no relatório geotécnico e geológico”.

Num documento intitulado “Modificações de planeamento e sobrecustos associados”, datado de Novembro de 2007, o Agrupamento Construtor do Hospital Pediátrico de Coimbra (ACHPC) invoca ter havido, alguns meses antes, “presença significativa de água”.

Acerca do item drenagem de águas freáticas no pavimento térreo do corpo 10, escreveu Tadeu Cruz, da Planege, em meados de Agosto de 2006, tratar-se de um assunto que não merecia qualquer comentário, por “caber totalmente” ao ACHPC resolvê-lo.

“Não se trata de águas freáticas, mas de águas das chuvas que se acumularam no pavimento por o empreiteiro não ter criado zonas para a respectiva recolha ou para que as mesmas escoassem por gravidade”, sustentou o engenheiro Tadeu Cruz.

A 15 de Novembro de 2006, a fiscalização concluiu que “a solução proposta” pelo empreiteiro era “a mais aconselhável” na medida em que evitava a instalação de um poço de bombagem permanente das águas freáticas.

Rios Vilela, ex-titular da DGIES, chegou a defender ser necessário “desmistificar o problema da água no solo”, tendo preconizado a respectiva drenagem para a ribeira de Coselhas. “Trata-se de um problema insignificante e de fácil resolução técnica”, sustentou.

Luís da Costa Neves e o arquitecto Matos Veloso (cujo ateliê formou um consórcio com o de Francisco Conceição e Silva para elaboração do projecto inicial) disseram ao “Campeão” nunca ter havido um volume de água capaz de justificar os problemas invocados pelo empreiteiro.

Sem comentários: